Por Gerhard Muhm
Desde meu primeiro dia como cadete, a expressão ”Auftrag wiederholen” (“Repita a missão”) soava nos meus ouvidos. Os superiores exigiam de nós, “repetir a missão” que nos havia sido designada, para terem certeza de que a havíamos entendido. E eles sempre diziam “Auftrag” (“missão”) e não “Befehl” (“Ordem”).
E assim foi, por toda a Campanha da Itália. Sempre me foi dada uma “Auftrag”, nunca uma “Befehl”. E eu sempre fiz a mesma coisa com meus subordinados, a quem sempre passei “Auftrag”, na bem-usada e tradicional “Auftragstaktik” do Exército alemão.
O conceito tático seguido pelo Exército alemão era o de “Táticas Orientadas Para a Missão ou Tarefa” (“Auftragstaktik”), em contraste com as “Táticas Orientadas Para Ordens” (“Befehlstaktik”) utilizada por outros exércitos. A diferença de concepção e execução entre estas duas táticas é fundamental: a primeira exalta a inteligência e capacidade do soldado, a segunda tende a desencorajá-las, tornando o soldado um executor passivo das ordens dos outros.
Com a “Auftragstaktik”, a missão é ordenada e o oficial é deixado com liberdade para levar à cabo a missão designada para ele e, dessa forma, ele se sente responsável pela ações que lhe são sugeridas por sua própria inteligência, seu empreendedorismo e suas capacidades. Com a “Befehlstaktik’, no entanto, aquele que executa deve cumprir com uma ordem dada a ele por outros, sem nenhuma chance para se basear em sua própria iniciativa e habilidade, seja adaptando-se, ou explorando situações quando estas aparecem. Este segundo conceito é, naturalmente, mais fácil de seguir, já que se baseia em pura disciplina, enquanto “Auftragstaktik” exige que oficiais, sargentos e praças tenham de ser treinados em escolas militares, com exercícios contínuos.
Em 1813, o general von Gneisenau, chefe do estado-maior do Exército prussiano e antigo colaborador do general Scharhorst, introduziu uma nova técnica de comando, que também foi aplicada em outros exércitos da comunidade germânica daquela era. A característica distintiva desta técnica era a que a “intenção” devia ser formulada de uma forma transparente e compreensível, sempre deixando espaço para a iniciativa pessoal e liberdade de ação. O marechal-de-campo von Moltke, em suas concisas, porém clássicas, diretivas aos exércitos nas campanhas de 1866, contra a Áustria, e de 1870, contra a França, proclamava que, em termos, tanto de conhecimento, quanto de experiência, a aplicação prática da “Auftragstaktik” exigia treinamento especial e rigoroso dos comandantes, em todos os níveis. Deste esta época, esse tipo de treinamento tem sido utilizado no Exército alemão para alcançar:
- Um critério unificado de julgamento na avaliação de situações e tomada das conseqüentes decisões e:
- Abstenção de todos os tipos de rígido esquematismo, com independência de pensamento e ação, quando liderando em combate.
Deste modo, autonomia em executar a missão designada, juntamente com treinamento em como levá-la adiante, se tornou uma característica especial e um ponto forte do Exército alemão. Ao dirigir uma batalha, um comandante precisa, não apenas agir com valentia, mas também ser capaz de reconhecer uma situação favorável no momento, e explorá-la. Algo que nem sempre é feito na guerra. Von Senger und Etterlin escreveu: “Tarefas operacionais forçam os comandantes a tomar decisões, mais ou menos autonomamente. Em exercícios, oficiais aprendiam a agir por sua própria iniciativa e procurar assumir responsabilidades... Este método limita a emissão de ordens, apenas àquelas mais indispensáveis para a execução de qualquer tarefa particular, o que significa que o comandante, assim encarregado, pode escolher, livremente, os meios e as táticas que mais se adequarem a ele.
Na Campanha da Itália, o mais elevado exemplo de “Auftragstaktik” pode ser encontrado nas ordens emitidas pelo marechal-de-campo Kesselring, em junho de 1944, para a retirada rumo ao norte de Roma.
Dos dois exércitos alemães, o 14º tinha sido gravemente abalado em batalha, enquanto o 10º, que havia lutado na Frente de Cassino, achava-se desequilibrado, demasiado à frente, ambos nos Apeninos Centrais e na costa do Adriático. Para reorganizar o 14º Exército, Kesselring emitiu esta “Auftragstaktik” que se estendia até ao nível divisionário: “Retirada em combate, ponham em linha de batalha, a partir da retaguarda e dos flancos, as reservas já em marcha rumo ao sul, cerrem as brechas entre as várias unidades, e construam os flancos destas... essa fase, entretanto, não deve continuar até que a Linha dos Apeninos (Linha Gótica) tenha sido alcançada, mas, após as grandes formações, em crise, terem sido reordenadas, parem e concentrem-se em posições defensivas, tão ao sul quando possível...”. Isto aconteceu sobre a Linha Albert (Lago Trasímeno).
Por contraste, um exemplo que ilustra a diferença entre “Auftragstaktik” e “Befehlstaktik” é o inepto desembarque aliado em Anzio, em janeiro de 1944. Quando o general Lucas (comandando a força expedicionária), desembarcou, ele, cuidadosamente, seguiu as ordens recebidas para se defender e evitar outra Salerno, antes do rumar para Roma. Se ele fosse um general alemão seguindo “Auftragstaktik” e explorasse as enormes vantagens táticas e estratégicas, derivadas da surpresa, a falta de defesas na estrada para Roma e sua absoluta superioridade em homens e meios, ele teria conquistado a Cidade Eterna e, a partir da retaguarda, abalado a defesa alemã inteira, baseada em Cassino.
Os pontos básicos do treinamento de um oficial alemão, na conduta de uma batalha sob “Auftragstaktik” foram, concisamente, listados por Muller-Hillebrandt, começando com o axioma de von Moltke de que, todo plano que concebemos no campo de batalha, se contrapõe às intenções independentes e, raramente conhecidas do inimigo; isso cria uma atmosfera de insegurança na consciência de que uma situação militar evolui e se altera, quase que constantemente. Quando nossas intenções encontram a realidade das coisas, fricções são criadas em decorrência dos numerosos imponderáveis que aumentam, quando encontramos o inimigo. O que, por sua vez, aumenta a insegurança e rouba ao comandante qualquer chance de calcular, de antemão, como a luta irá se desenrolar. Mesmo se ele puder aplicar todos os mais precisos meios para descobrir a situação real, as intenções do inimigo e o modo como suas decisões, no terreno, estão se desenvolvendo, sempre irá existir uma certa insegurança, que oficiais e sargentos terão de encarar com sua força de vontade e inteligência.
Líderes, indo do comandante supremo da frente, ao comandante de batalhão, e descendo até o líder de GC, poderão se encontrar em situações que serão impossíveis de antever. Todo comandante de uma unidade combatente deve ter autoridade e habilidade para, continuamente, alterar sua idéia sobre a situação, levando em consideração, não apenas as intenções e capacidades do inimigo, mas suas próprias capacidades, também. Suas próprias intenções devem ser focadas em levar à cabo a missão designada para ele e as capacidades de seus homens.
A pessoa, a quem uma tarefa é designada, deve receber o tempo necessário para executá-la. Quanto mais elevada a posição daquele que recebe a tarefa, mais tempo precisa lhe ser concedido para sua execução, porque as situações, continuamente, se alteram e exigem tempo suficiente. Um subordinado não sente prazer algum em executar uma ordem rígida. Apenas sua colaboração de boa-vontade, dentro do quadro estrutural, ou da visão de uma tarefa superior, tornará possível sobrepujar as mais sérias dificuldades de um exército moderno, e obter os melhores resultados.
Uma tarefa poderá – se necessário – ser emitida como uma ordem.
A utilização dos melhores recursos técnicos é considerara como garantida.
Eu já referi às diretrizes clássicas do marechal von Moltke sobre o treinamento de oficiais. Aqui, eu cito as palavras do general von Senger:
"No Exército alemão, líderes de todas as patentes deviam ser treinados no comando. Isso é uma longa tradição. O Estado-Maior Geral alemão foi, indubitavelmente, superior a todos os outros estados-maiores gerais no que concernia à rápida e precisa avaliação de situações; decisões que não se prestavam a interpretações ambíguas e ordens, expressas com clareza concisa. Todos os oficiais passavam por treinamento, tanto em exercícios de campo, quanto de estado-maior, e em viagens de instrução, para, desta forma, adquirirem uma perfeita maestria dos problemas que deveriam confrontar, algum dia.
Tarefas operacionais sempre eram concebidas, como forma para obrigar o comandante envolvido a tomar decisões, mais ou menos, independentes. Para conseguir isso, os exercícios de tempo de paz, com freqüência, representavam situações, “ligeiramente” forçadas: quando um “novo inimigo” aparecia, o exercício determinava uma interrupção das comunicações, ou algo do tipo, como ocorre, freqüentemente, na realidade."
Tarefas operacionais sempre eram concebidas, como forma para obrigar o comandante envolvido a tomar decisões, mais ou menos, independentes. Para conseguir isso, os exercícios de tempo de paz, com freqüência, representavam situações, “ligeiramente” forçadas: quando um “novo inimigo” aparecia, o exercício determinava uma interrupção das comunicações, ou algo do tipo, como ocorre, freqüentemente, na realidade."
Liberdade na execução de uma tarefa designada e treinamento em iniciativa pessoal, iriam se tornar a marca-registrada e a força do Exército alemão. Quanto mais progrediam, na direção da “Auftragstaktik”, os treinamentos e a instrução dos comandantes, em todos os níveis, mais as tropas sentiam-se seguras, na rápida e flexível execução de suas missões de combate.
Os comandantes superiores podiam confiar na coragem para execução de tarefas, e na vantagem de que a situação poderia ser explorada por comandantes subalternos, algo que ocorre, com freqüência, no campo de batalha, mas que nem sempre é reconhecido ou aproveitado. E, no fim, foi possível sujeitar o inimigo a nossa própria vontade. Em resumo, acima e além dos recursos materiais, muitas pré-condições para o sucesso futuro, puderam ser obtidas. A unidade de conduta dos comandantes – que nunca conheceram a existência de comandos especiais – juntamente com a liberdade de decisão que apreciaram, lhes deu a habilidade para atuar por suas próprias iniciativas, ao executar as tarefas designadas para eles. E, embora esses conceitos básicos de “Auftragstaktik” não mais estivessem em uso nos altos-comandos, eu posso afirmar, por minha própria experiência de que tais conceitos permaneceram o pilar da conduta de batalhas. Por gerações, trabalhou-se para aperfeiçoar estes conceitos e treinar homens no campo – mesmo após 1918 e 1935. Este trabalho frutificou nas campanhas de 1939, 1940 e 1941, nos Bálcãs, África do Norte e determinou a conduta da guerra contra a União Soviética. Uma campanha que teve maciça influência sobre o destino da Alemanha, mas que também demonstrou o elevado potencial da “Auftragstaktik”, em todos os níveis, com uma medida de capacidade, experiência e senso de dever não obtidas, desde então. Os altos-comandos tomavam o campo com fé em si mesmos, não importando se o inimigo fosse, numericamente, muito superior.
Quais foram, então, os ensinamentos táticos e estratégicos ou confirmações vindas da Campanha da Itália? O general von Senger, meticulosamente, examinou estes aspectos, resumindo-os em “Auftragstaktik” nos tempos modernos, ou, pelo menos, na Segunda Guerra Mundial, já que não podemos tomar como certo de que nenhuma guerra é como a anterior.
Sua primeira observação concerne à exploração do sucesso:
Citação:
A lei da guerra exige que a perseguição seja incansável, que ela continue “até acabar o fôlego de homem e cavalo”. Isto envolve ataques noturnos e marchas sem parada, dia e noite, para manter contato com o inimigo. Demolições que este execute na retirada, tornam mais e mais difícil trazer suprimentos. E, finalmente, a crescente carência de combustível obriga o perseguidor a confiar a perseguição à cavalaria, que é menos presa a suprimentos, e que é mais móvel em terrenos diferentes, mas, em troca, é muito menos efetiva em batalha.”
Esta lei da guerra nunca foi aplicada pelos aliados durante a Campanha da Itália.
As divisões blindadas, originalmente organizadas, somente como formações de ataque, tornaram-se as melhores formações defensivas. A defesa moderna é sempre organizada dentro de espaços e zonas especificados, e não segue um desenvolvimento linear. Mas, defesas móveis pedem pela presença de formações móveis, isto é, motorizadas. Apenas reservas motorizas podem ser redesdobradas, rapidamente, de um flanco para outro, ou serem lançadas, da retaguarda para a área de batalha. Apenas os elementos de infantaria destas divisões eram utilizados para lutar, juntamente com os tanques, ambos sendo organicamente parte da arma blindada. Apenas retaguardas constituídas por formações blindadas, podem manter posições bem à frente, até o último momento, porque são capazes de se desengajarem, rapidamente e surpreender o inimigo.
De novembro de 1943 até junho de 1944, seis divisões móveis lutaram na Itália (as 3ª, 15ª, 29ª, e a 90ª Panzergrenadier; a 26ª Panzer e a DivisãoPanzer de Pára-quedistas “Hermann Goering”). Depois disso, restaram, apenas, três divisões móveis, as 26ª, 29ª e 90ª, às quais foi acrescentada, entre o período de junho à outubro de 1944, a 16ª Divisão Panzergrenadier SS “Reichsführer-SS” . Todas as outras divisões alemãs na Itália eram divisões de infantaria, cujos sistemas de defesa móvel foram confiadas às habilidades dos respectivos comandantes. Típica dessas era a 362ª Divisão de Infantaria, uma pobre unidade, organizada em seis batalhões de 250 homens cada, e à qual foi confiada a missão de retardar as divisões americanas na frente de Bolonha. O general Greiner adotou o sistema de “Zentimeter Krieg’, ou “Guerra aos centímetros”, com o lema de “perca terreno, mas não perca os soldados”, ao recuar sobre suas sucessivas linhas de defesa, quatorze no total. Greiner designou tropas para estas linhas de defesa de modo que facilitasse a ocupação e organização das próprias linhas; ele executou os necessários movimentos de tropas, mesmo de dia, em desafio ao poder aéreo aliado, e tirando vantagem do terreno montanhoso; já que contra-ataques envolviam pesadas baixas, ele deu ordens para que a guarnição de posições de barreiras fosse mais importante do que contra-ataques; ele utilizou seus canhões anti-aéreos no combate terrestre, o canhão 88 mm contra tanques e os montantes quádruplos de 20 mm contra infantaria. A bem-sucedida defesa da divisão foi facilitada pelas táticas dos americanos que, quase nunca realizavam ataques noturnos, desta forma dando aos alemães a chance de reorganizarem durante a noite. No fim, as perdas da divisão, de 19 de setembro até 20 de outubro de 1944, foram elevadas: 420 mortos, 12 destes oficiais, com 1614 feridos, 603 doentes, e 1362 desaparecidos, mas o propósito foi cumprido. A falta de informações sobre o inimigo foi um considerável obstáculo para os comandantes alemães, nos vários níveis. Como vonSenger escreve:
"Do inimigo, sabíamos pouco. O chefe da seção de inteligência foi mantido informado sobre a situação pelo comando de exército, que, em termos gerais, sabia qual divisão tínhamos à nossa frente. Diretamente, nós, praticamente, não conseguíamos virtualmente nenhuma informação, sobre o inimigo. Apenas ocasionalmente nós fazíamos um prisioneiro, que era interrogado no comando de corpo, antes de ser enviado para o comando de exército. O inimigo, por sua vez, sabia que não éramos capazes de lançar um ataque. Ele foi capaz de despir, completamente, certas faixas da frente, de modo a criar pontos fortes e escalonar-se, em profundidade, nestes pontos, quando tencionava atacar. Ele podia ordenar seus batalhões a se moverem e redesdobrarem, em plena ordem de marcha, ao longo das linhas de comunicação de retaguarda. Suas unidades sempre estavam bem-descansadas para o primeiro ataque."
Hoje, sabemos, por fontes de nosso antigo inimigo, entre outras, que seus erros táticos tornaram a vida mais fácil para nós. Estes eram erros que havíamos aprendido a evitar, embora de outra maneira, após Stalingrado. O passo lento de seus ataques iniciais, desfechados pela infantaria, refletia sua hesitação em arremessar reservas, onde estas eram necessárias para apoiar o ataque.
O fracasso em explorar o sucesso foi, de fato, um característica constante das táticas aliadas, como foi, também, demonstrado por Amedeo Montemaggi, que cita a incrível lentidão do avanço aliado; o desastroso desembarque de Anzio/Nettuno; o monótono banho de sangue em Cassino; o fracasso em envolver Valmontone; a falhada tentativa de penetrar a frente dos Apeninos, na Toscânia. “Se eu tivesse os recursos deles, teria conquistado a Itália, numa semana”, disse Kesselring, que foi educado na “Auftragstaktik”
Eu concluo com algumas observações sobre a tropa e o efeito que a qualidade de um comandante tem sobre ela. Von Senger louvou minha divisão, a 29ªPanzergrenadier, “uma das nossas melhores divisões”, e diz do general Fries (que a comandou até 31 de agosto de 1944), “que ele tinha o hábito de avaliar situações, objetivamente, de se apegar à realidade, de executar sua função de comando, calmamente, e não buscar glória pessoal; ele era afeito aos seus soldados e podia, portanto, contar com eles, todas as vezes. Todos confiavam nele.”
Isso era totalmente acurado. Embora, nós o apelidássemos de “der letzte Preusse” (“o últimos dos prussianos”), ele sempre nos deu o exemplo de um soldado combatente; ele chegava, inesperadamente, na linha de frente, no posto de comando de algum comandante de companhia, daí ajudando a nós, comandantes de nível inferior, a manter elevado o moral de nossos combatentes de linha de frente.
Von Senger fez outro profundo comentário sobre o moral dos soldados na Itália, quando falando da 3ª Divisão Panzergrenadier, a mais exposta à pressão inimiga, na primeira metade de 1944. Ele tinha ficado com a impressão de que o moral da tropa tinha sido abalado pelos numerosos reveses e contínua retirada. Ele não ficou de todo surpreendido por isto, pois, enquanto os soldados podem ter sido levados a acreditar na propaganda e sido leais à Hitler, em certo momento, deve ter ficado claro para eles que uma ininterrupta série de derrotas não podia, possivelmente, levá-los à vitória.
Naturalmente. Eu sempre estive convencido de que se tínhamos lutado até o fim, isso foi porque estávamos sempre lutando pelo camarada na nossa direita, por aquele à nossa esquerda ou, talvez, pelo nosso comandante imediato, a quem respeitávamos, ou talvez porque acreditássemos que estávamos lutando por nossa honra, cumprindo nosso dever de soldados até o último dia. Em 1944-45, seria muito difícil persuadir os soldados da linha de frente a lutarem por Hitler, ou mesmo pela Alemanha. Nós entoávamos canções satíricas contra Hitler, canções que reforçavam nosso espírito de luta, e que ninguém contestava, porque você não discute com o soldado de linha de frente, o homem que nós chamávamos de Frontsoldat.
De Valmontone ao Arno.
Kesselring aplicou os princípios da “Auftragstaktik”, magistralmente, durante a Campanha da Itália, com grande perspicácia, escolhendo osSchwerpunkt, ou pontos-fortes, onde ele iria concentrar suas forças opondo-se aos “pontos fracos” do inimigo, isto é, em setores que estavam quase privados de tropas ou com apenas forças fracas, incapazes de intervirem em tempo.
Eu irei discutir dois exemplos clássicos de Schwerpunkte na Itália:
A) a defesa e fechamento da brecha entre os 10º e 14º Exércitos alemães, durante a retirada de Roma para o Monte Amiata;
B) a batalha de Rimini, com a concentração de dez divisões num único setor de corpo-de-exército.
O fracasso em encurralar as tropas alemãs em Valmontone, sul de Roma, nunca irá deixar de provocar discussões. O ponto de vista alemão é este de vonTippelskirch, que comandava o 14º Exército, entre dezembro de 1944 à fevereiro de 1945:
“Nossa situação mais perigosa ocorreu no final de maio, após o colapso da frente entre Velletri e Cisterna, na direção de Valmontone. Neste momento decisivo, o estado-maior americano cometeu um erro decisivo, com momentosas conseqüências: ao invés de concentrar todas as suas forças num único ponto, talvez no vale rumo à Artena/Valmontone, onde só haviam remanescentes das divisões de Anzio/Nettuno, eles continuaram a reforçar seus flancos. Antes que a ruptura americana pudesse ser feita, lá chegaram em cena nossa divisões “Hermann Goering” e a 29ªPanzergrenadier. Com estas forças, o 14º Exército foi capaz, em parte devido ao lançamento de uma série de contra-ataques, em impedir a decisiva ruptura para Valmontone, até 30 de maio. Na noite de 30-31 de maio, as tropas americanas, com quatro divisões contra, apenas, a 29ª, finalmente conseguiram irromper através da frente, e tomar Valmontone, em 1º de junho.”
Em nenhum livro escrito que eu conheça, a história foi contada, exatamente como aconteceu. Eu fui testemunha pessoal do fato de que, até agora, ninguém contou que a 29ª Panzergrenadier esteve, pesadamente, envolvida nesta batalha, ou de que foi ela quem travou a defesa, até a última trincheira, do setor de Valmontone, de 25 de maio até 15 de junho, na área próxima a Velletri, na direita e incluindo Anagni, na esquerda.
Nenhum de nós – nem mesmo, creio eu, nosso comandante divisionário – tinha a exata noção das enormes forças aliadas nos confrontando. Apenas, muito mais tarde, depois do fim da guerra, soubemos que a 29ª tinha combatido dois corpos-de-exército inteiros, o II Corpo americano e o Corpo Expedicionário Francês (Corps Expéditionaire Français, CEF). Na Linha Hitler, de 21 de maio até 22 de junho, o meu regimento (o 15º) enfrentou, sozinho, seis regimentos americanos, das 85ª e 88ª Divisões americanas, enquanto outro de nossos regimentos, o 71º, enfrentou tropas coloniais francesas. Mais tarde, na frente de Valmontone, de 25 de maio até 22 de junho, nossa divisão enfrentou três divisões americanas, as 3ª, 85ª e 88ª, e também as divisões, 2ª de Infantaria marroquina e 3ª de Infantaria argelina. “Por quê eles não avançam? Por quê são tão lentos?”, costumávamos nos perguntar.
Exigiria muito espaço nestas páginas, para contar toda a história de nosso envolvimento na luta em que intervimos, afinal de contas, tarde demais, quando a situação já tinha-se tornado irreversível. Basta dizer que nós, na reserva, na área de Bracciano, fomos alertados, tarde demais, e começamos nosso movimento, apenas, em 19 de maio, quando não mais era possível tapar a brecha aberta pelos franceses e alargada pelos americanos.
Em 22 de maio, minha companhia capturou Monte delle Fate, ao norte de Terracina, tomando como prisioneiros, uns poucos oficiais americanos e cerca de 30 soldados, que haviam estabelecido um posto de observação lá. Após rechaçar contra-ataques, tivemos de nos retirar sob a ameaça de acabar cercados. Nós nos infiltramos através das linhas inimigas, à noite, em Amaseno, até alcançarmos nossas próprias linhas, novamente, em Prossedi. De lá, fomos transportados para a área de Velletri (onde fomos ultrapassados pelas primeiras unidades da Divisão Panzer de Pára-quedistas “Hermann Goering”), à qual o nosso I Batalhão do 15º Regimento (I/15º), temporiamente anexado à “Hermann Goering”, defendia de ataques inimigos, vindo da direção de cabeça-de-ponte de Anzio, enquanto o restante da 29ª Divisão defendia a frente sul, contra os franceses e americanos. Na noite de 27 de maio, fomos transferidos para a frente de Artena-Valmontone, ficando sob as ordens de nossa própria divisão, de novo. Minha companhia, sozinha, defendia um setor de 500 metros, ao longo da estrada de Artena para Valmontone. A frente do I/15º, somente, era de 2,5 Km, e tinha de ser defendida contra os ataques de três regimentos inimigos. Por quê os americanos não irromperam através dela? Talvez, porque eles sempre atacavam frontalmente, e na mesma direção.
À 29 de maio, a luta transferiu-se mais para o sul, em torno de Gorga, onde o comando concentrou três batalhões, o meu, o III/15º e o II/8º da 3ª Divisão Panzergrenadier. Isso significava que a frente, de Artena até Valmontone, estava quase despida de defensores, apenas os remanescentes de dois batalhões do regimento 1060 da 362ª Divisão, dispostos em posição, apressadamente, para tapar a brecha. Eu nunca compreendi por quê nossos comandantes assumiram esse risco, e por quê os americanos nunca tiraram vantagem da situação. Em Gorga, lançamos um contra-ataque contra os marroquinos, então, recuamos para Colleferro-Valmontone, onde a luta continuou até 2 de junho, quando, finalmente, nos retiramos para Subíaco e para Tivoli.
Os aliados tinham concentrado enormes forças para a batalha por Roma/Valmontone: sete divisões americanas, duas britânicas, quatro coloniais francesas; num total de treze divisões.
Pessoalmente, eu sentia que duas ou três divisões teriam sido suficiente para a captura de Roma. As nossas divisões, sendo de pára-quedistas, infantaria e de montanha, retiravam-se, lentamente, de Cassino rumo ao norte. O sucesso estava, virtualmente, assegurado. Mas, talvez o comando aliado, não acostumado à “Auftragstaktik”, carecia de coragem parra planejar uma tão extensa manobra de envolvimento. Certamente, o estado-maior americano não tinha idéia alguma de como explorar o sucesso em Valmontone. Ao mesmo tempo, eu acrescentaria que os americanos, mesmo nos níveis médios e baixo, nunca soubera como tirar vantagem de situações favoráveis que ocorriam em seus setores de competência. Eu posso dizer isto, baseando-me em minha experiência como defensor de Valmontone, Gorga e Colleferro.
Von Tippelskirch descreve como o 10º Exército se encontrou em situação de extremo perigo, após Valmontone, já que foi incapaz de fazer uso dos seis dias ganhos lá (25 de maio a 1º de junho) para ligar seu flanco direito com o flanco esquerdo do 14º Exército. Neste caso, os americanos não souberam como tirar vantagem do erro cometido pelo nosso Grupo de Exércitos.
Assim, após a queda de Roma, um enorme espaço vazio foi criado entre o 14º Exército na frente tirrena e o 10º Exército, em retirada na Itália Central e na frente adriática. O 14º, com poucas divisões (a 3ª Panzergrenadier, a 4ª de Pára-quedistas, a 65ª de Infantaria e parte da 362ª de Infantaria) – quase todas dizimadas -, foi ameaçado de envolvimento e aniquilamento pelos americanos, que estavam avançando, numa média de dez quilômetros por dia. O 10º Exército, lentamente se retirando ao longo das poucas estradas disponíveis, defendia seu flanco esquerdo com a 15ª Divisão Panzergrenadier, ela mesma em grave perigo de ser envolvida e destruída, ainda mais porque tinha de coletar os remanescentes das divisões que haviam lutado no setor sul de Anzio (a 715ª de Infantaria e parte da 362ª).
Para evitar ter seus flancos envolvidos, e juntar os dois exércitos, cerrando a brecha entre eles, Kesselring criou um ponto-forte no vale do Tiberina, de Tivoli ao Lago Trasímeno, com apenas quatro divisões: a 26º Panzer, as 29ª e 90ª Panzergrenadier e a 1ª de Pára-quedistas (“Schwerpunkt am Tiber” entre 4 e 16 de junho). Para conseguir isto, ele deslocou sua frente – numa audaciosa e magistral conversão – de uma direção meridional para uma ocidental, contra as tropas americanas avançando ao longo da costa.
As tarefas prescritas para este Schwerpunkt eram para assegurar o flanco direito do 10º Exército, sua retirada e a defesa da “posição de barreira” entre Tivoli e Acquapendente (Lago Trasímeno), com todo o XIV Corpo Panzer. Com uma perfeita manobra, tão difícil quanto não-familiar, as quatro divisões, moveram-se por lanços, uma pela outra, formando uma nova frente, que conectou os dois exércitos.
O sucesso deste movimento de retardamento para conter o avanço aliado na Itália central, ganhou o louvor do general Puddu, um historiador que demonstrou um sólido conhecimento do Exército alemão, tanto que seus comentários parecem ter sido escritos por um general alemão em suas “memórias de guerra”. Após apontar para a gravidade da situação alemão, Puddu continua:
”E, também, a solução para o problema operacional alemão foi complicada por vários fatores: a mínima segurança fornecida pelas defesas costeiras; a falta de suficientes recursos navais e aéreos para impedir desembarques; a inabilidade do próprio reconhecimento aéreo em dar aviso antecipado das intenções e movimentações inimigas; a dificuldade de assegurar o próprio ressuprimento, em face do domínio do ar pelos aliados; a inadequação das redes rodoviária e ferroviárias e, finalmente, as dificuldades impostas pelo terreno montanhoso”.
Eu compartilho as observações feitas pelo general Puddu. Nós sofremos muito com a falta de capacidade de nossos serviços de inteligência. Para nós, na linha de frente, já era alguma coisa saber se estávamos enfrentando marroquinos, ou poloneses, ou britânicos, ou canadenses, ou gurkhas, e por aí vai. Com freqüência, recebíamos a ordem (e não a missão!) de tomar prisioneiros, como forma de obter novidades sobre qual inimigo estava confrontando nossos comandos regimentais e divisionários!
No concernente ao suprimentos, eu discordo de Puddu, mas minha experiência não é representativa, pois a 29ª era uma divisão móvel, especial, que nunca careceu de provisões, vestimentas, substituições em homens, viaturas, “Panzerfausts” antitanques, munição, combustível e por aí vai, pelo menos, até 18 de abril de 1945 (quando fui capturado).
Puddu continua:
”No entanto, estas dificuldades puderam, em grande medida, serem sobrepujadas, durante as primeira e segunda fases da batalha, graças à vontade de ferro dos comandantes; a habilidade dos estados-maiores; o valor da tropa; o intenso treinamento, especialmente em combate cerrado e luta de rua; a cooperação próxima entre infantaria e artilharia; a gradual e inteligente introdução de novas unidades em combate, com patrulhas de veteranos experimentados sendo utilizadas para aclimatar os recém-chegados; e o intensivo trabalho feito na área de combate para melhorar as posições ocupadas.
Eu posso confirmar, totalmente, o que o general Puddu diz a respeito da gradual e judiciosa introdução de unidades descansadas em combate. Nosso sistema de dispor novas unidades e indivíduos em linha, poupou muito sangue e deu à tropa, uma certa segurança enquanto combatia. Em minha própria companhia, entre 19 de maio e 26 de outubro, recebi 285 substitutos, em grupos de vinte, quarenta, cinqüenta e setenta por vez. Nunca os coloquei, todos juntos, na linha de frente, mas, apenas, em pequenos grupos de cinco. Somente em Lastra a Signa, quando recebi um grupo de 70 substitutos, tive de enviá-os para a frente, em grupos de dez, porque a urgência do momento não permitia mantê-los atrás mais tempo.
E Puddu escreve:
"A ação de retardamento dos alemães, foi tornada possível, também, pela contínua destruição de pontes, a minagem de extensas áreas de trânsito e as demolições de toda a espécie, que eles levavam à cabo, com sua costumeira meticulosidade. No entanto, enquanto tais condições favoráveis possam ter facilitado a ação do comando alemão, é preciso aceitar que a habilidade alemã em sobrepujar a crise e conduzir uma retirada ordenada pode, predominantemente, ser atribuída a habilidade do próprio comando alemão em avaliar o perigo, com frieza, prontamente tomando as medidas para lidar com ele. E, também, ao espírito da tropa que, mesmo sofrendo pesadas baixas, manteve seu senso de coesão e seu espírito de luta, intactos."
A habilidade do alto-comando alemão tem sido reconhecida, mesmo pelos historiadores do inimigo que louvam a perícia dos comandantes alemães, primeiro, ao avaliarem todos os perigos, com precisão, e em saberem como tomar as medidas apropriadas, no tempo certo. Segundo, eles conseguiram manter suas companhias juntas e em boa ordem, conservando seu espírito de luta, apesar de perdas extremamente altas.
Esta observação é perfeitamente verdadeira. Nós obedecíamos a uma ordem moral que nunca nos foi dada, mas que sempre seguíamos: melhor perder terreno do que destruir a companhia! E, por este modo, nós mantivemos as companhias intactas, apesar de alguns combates muito duros que nos custaram baixas muito elevadas, e que, freqüentemente, isolavam uma companhia das outras.
Para dar uma noção da gravidade das perdas, nos treze dias, entre 21 de maio e 2 de junho de 1944 (a batalha por Roma), não precisamos mais do que mencionar as baixas de seis batalhões da 29ª Divisão Panzergrenadier: I Batalhão do 15º Regimento, 192 homens (37 %); II/15º, 200 homens (39 %); III/15º, 198 homens (38 %); I/71º, 225 homens (43 %), II/71º, 258 homens (50 %); III/71º, 212 homens (41 %). No total, a 29ª Divisão perdeu 2066 homens, incluindo mortos, feridos e desaparecidos (sem contar os enfermos), dos quais 1591 eram grenadieren, 247 batedores, 145 artilheiros, 41 engenheiros, 21 sinaleiros e 21 do corpo de serviços. Os mortos foram 268, feridos 889 e 909 desaparecidos.
Como foi a guerra na Itália para nós, nas linhas de frente? Eu só posso concordar com o que Walter Nardini escreveu, tendo em mente que as condições de batalha descritas por ele, são as mesmas com as quais o meu próprio regimento – já então, um veterano de ferozes combates em Rimini e das contínuas lutas, ao sul de Cesena, contra os canadenses e os gurkhas e reduzido à metade de sua força – se defrontou no final de outubro, quando se voltou para enfrentar a 34ª Divisão de Infantaria americana, no vale do Zena, quinze quilômetros de Bologna:
"Cada simples casa, cada colina, cada metro de terreno teve se arrancado aos alemães, com baixas muito elevadas, e nenhum americano esperava um fim rápido para aquela situação. Tão logo cruzávamos um rio, aparecia outro; tão logo ganhávamos uma colina ou montanha, outra surgia na nossa frente, de onde bombas de morteiro e granadas de artilharia choviam sobre nós. Os tanques paravam, atolados na lama, o clima impedia os aviões de decolarem. Quando, mais tarde, a batalha mudou para luta corpo-a-corpo, os americanos pareciam terem perdido o espírito."
Os generais britânicos tinham tencionado varrer as tropas alemãs, ao sul de uma linha indo de Pisa a Rimini (a Linha Gótica, geralmente falando) para que pudessem atravessar a Brecha de Ljubljana e avançar sobre Viena, mas o fracasso de seus planos, na perseguição após a queda de Roma, teve um efeito adverso, de muitos pontos de vista, sobre seu planejamento estratégicos para a Europa Central (von Senger).
O “Schwerpunkt” da Linha Gótica.
O ponto-forte da Linha Gótica fornece um exemplo clássico a ser ensinado nas escolas de guerra. Numa frente tão larga quanto 320 Km, sem saber onde iriam os aliados desfechar sua ofensiva, e sem saber, também, se isso iria ocorrer num único ou em vários setores, o comando do Grupo de Exércitos “C”, fez a única coisa que lhe restava: desdobrou suas tropas de acordo com uma fórmula matemática, dois terços da força (13 divisões) ao longo da frente, e um terço (sete divisões) na reserva ou em defesa costeira.
Após se tornar claro, desde 25 de agosto, que somente o 8º Exército britânico iria lançar a ofensiva, o Grupo de Exércitos “C” redesdobrou as sete divisões disponíveis para o Adriático, desta forma, criando dois setores de combate muito diferenciados: (A) um setor de 270 Km com três corpos-de-exército e dez divisões, e nada atrás; (B) um setor de apenas 50 Km, com um só corpo-de-exército, o XIV Corpo Panzer, com dez divisões. Este último setor iria se tornar o Schwerpunkt de Kesselring.
A transferência de sete divisões para o setor do Adriático teve que vencer grandes dificuldades. Devido ao domínio do ar, nossa divisão só podia se movimentar pela noite, de forma muito profissional e obteve sucesso em seu objetivo de parar os aliados no Rubicão. Deve ser salientado que o sucesso do Schwerpunkt do Adriático ajudou a impedir uma ofensiva sendo desfechada, posteriormente, no setor de 270 Km. Se os aliados tivessem atacado, simultaneamente, a Linha Gótica teria entrado em colapso, pois os alemães não tinham nenhuma outra reserva disponível. Na segunda fase, então, os ataques sobrepostos no tempo, primeiro contra Cesena e, então, contra a linha Florença-Bologna, permitiram ao Grupo de Exércitos “C”, redesdobrar, apressadamente, as divisões no Adriático, para o setor de montanhas ameaçado. Deste modo, eles criaram novos obstáculos, detendo os aliados a 15 Km de Bologna.
É digno de nota levar em consideração a opinião de Puddu, de que o ataque britânico na Romagna foi desfechado em frente estreita demais, e escalonado em profundidade - o que tornou possível aos alemães reforçarem suas defesas ao máximo – não se dando nenhuma consideração a um ataque de flanco, desembocando do vale do Tiberina. Desta forma, apesar do valor dos poloneses e canadenses, o ataque inicial atolou numa típica batalha de atrito.
Menção especial deve ser feita ao modo pelo qual as defesas alemãs na Linha Gótica foram organizadas, pois elas fornecem uma clara ilustração dos sistemas de defesa móveis. Já que era impossível guarnecer a linha inteira, com suficiente densidade de forças, e tendo visto, pela experiência, os limites de continuidade de uma linha defensiva, os alemães trocaram rigidez de posições por flexibilidade de pensamento e fluidez de manobra. Isso emprestava importância crítica sobre a reação rápida, em todos os escalões, mesmo à custa de densidade de desenvolvimento, e todo esforço foi feito para explorar obstáculos naturais, especialmente cursos d’àgua, como posições de referência, para concentração e para resistência de última trincheira. A adaptação de procedimentos de defesa móvel, com a intenção de paralisar o ataque, antes do que aniquilar as forças que o conduziam, permitiu às tropas alemãs obter o sucesso defensivo, fosse no terreno plano ou montanhoso. As unidades alemãs utilizavam reconhecimento, organizado por elementos leves e extremamente móveis, tanto como táticas de retardamento, utilizando postos avançados, e contiveram o ataque aliado, utilizando um sistema de pontos-fortes ou posições de barreira, guarnecidas por elementos de valor pelotão ou companhia, e desdobradas em profundidade no setor defensivo.
Os pontos-fortes ou posições de barreira, apoiadas por campos minados, geralmente eram instaladas na vizinhança de nós de comunicação e nas alturas que os dominavam; por trás de um grande obstáculo artificial ou natural (diques, canais) que eram fáceis de serem reforçados, ou numa área que fornecesse cobertura e uma chance para escapar da observação aérea inimiga.
A conduta flexível da defesa, utilizando posições organizadas em profundidade, incluía a execução de imediatos contra-ataques. Se estes não obtivessem sucesso, os comandantes deviam esquecer a idéia de manter a linha defensiva, de forma a salvar suas forças e, então, reorganizar a linha principal de defesa, mais à retaguarda (linha tática). A necessidade de formar uma reserva para ocupar a zona em profundidade, forçou os alemães a diluírem suas linhas principais de batalha, ainda mais, mesmo sob o preço de enfraquecê-las.
A profundidade de desdobramento de uma divisão, organizada na defensiva, era assegurada, ao nível divisionário, pelos batalhões de reconhecimento e anti-tanque e, ao nível regimental, por uma companhia de assalto. As divisões de infantaria, agora, careciam do terceiro batalhão de cada regimento, eliminado após a reestruturação orgânica da divisão de infantaria, levada à cabo, no verão de 1944.
A disposição da divisão podia variar, dependendo do “Schwerpunkt’ e em função do tipo de unidade (infantaria, panzergrenadier, etc.) Igualmente, a disposição das unidades desdobradas, em profundidade, era alterada de acordo com as características do terreno e a habilidade dos comandantes em prever (ou não) onde o inimigo poderia atacar. E, também, em resposta aos métodos utilizados pelos aliados. Se um estudo do terreno revelasse que a direção da potencial penetração inimiga seria limitada, unidades em reserva seriam desdobradas em posições de barreira, pré-planejadas, (ou em pontos-fortes, em setores montanhosos). De outra forma, tais unidades seriam dispostas, imediatamente atrás, numa zona, mais ou menos central, de onde poderiam intervir rapidamente, em qualquer número de locais.
As posições de barreira eram zonas preparadas, ocupadas ou prontas para ocupação, situadas imediatamente à retaguarda da tropa, para o recuo desta, caso o inimigo penetrasse. Desta forma, os setores contíguos – que não haviam sido investidos pelo inimigo – não se envolveriam na retirada. E, também, seria mantido o contato com a anterior linha de resistência. Tais posições poderiam consistir, simplesmente, de um alinhamento no qual a unidade poderia se concentrar para bloquear uma imprevista penetração inimiga, ou também podia se constituir numa base da qual se poderia conduzir contra-ataques.
A seleção do tipo de defesa em profundidade era da responsabilidade dos comandantes, em todos os níveis.
Pontos-fortes, principalmente organizados em setores montanhosos da Linha Gótica, eram dispostos em profundidade, em até três áreas sucessivas, ao invés de serem formados a partir de linhas fixas e contínuas. Suas posições avançadas eram mantidas por grupos de postos, protegidos por intrincadas linhas de fogo defensivo. Às suas costas, aguardando em zonas de reserva e, apropriadamente protegidas, estavam forças de contra-ataque. Posições de contra-encosta eram, com freqüência, estabelecidas, embora, nós da 29ª Panzergrenadier, nunca as utilizássemos.
Finalmente, a carência de tropas em alguns setores montanhosos secundários, forçou os comandantes alemães a manterem faixas inteiras da frente, desguarnecidas. Assim, vemos, por exemplo, posições da 305ª Divisão de Infantaria, na área de Forli, no setor de Pórtico até Gaeasta, sobre a Linha Verde Nº 2 (ou Linha Gótica), onde o 576º Regimento tinha de defender um setor de 20 Km, com apenas três batalhões. A defesa constituía-se em três ou quatro escalões de profundidade, sentinelas nas estradas, alternados com amplos espaços vazios, sem um único soldado, alguns de até 6 Km (defesa em setor amplo). Nesta situação, era conduzia o se chamava defesa ofensiva. Esta consistia de ações agressivas, executadas por destacamentos de cerca de 30 homens que, movimentando-se continuamente ao longo da faixa desocupada da frente, atacavam as posições do inimigo, para mantê-lo debaixo de constante pressão, iludindo-o quanto a real força da defesa.
As batalhas ofensivas da Linha Gótica são, infelizmente, pouco conhecidas na Alemanha, pela simples razão de que a atenção dos historiadores é atraída pelos eventos da luta na França e na Frente Russa. Mas, o choque de armas na Itália estabeleceu, como Kesselring afirmou, “uma famosa página na história militar da Alemanha,” uma grande vitória defensiva, admitida pelo próprio Churchill quando falou do “fracasso da ofensiva” de Alexander, com sérias conseqüências para os aliados no futuro do sul da Europa. Nesta campanha, reluz o gênio tático de Kesselring que, em face da declarada intenção de Hitler em não desistir de um só metro de terreno, soube como adotar um defesa elástica, que, aproveitando-se dos erros do inimigo, iria salvar o exército alemão na Itália, ao bloquear, por bons seis meses, o avanço dos numericamente superiores aliados.
As principais fases da Operação OLIVE, (ou batalha de Rimini), a primeira fase da ofensiva de Alexander, podem ser identificadas na primeira batalha de Coriano, onde o avanço do 8º Exército britânico foi forçado a uma parada repentina, antes da crista de Coriano, ficando incapacitado para explorar o sucesso de sua ruptura.
Como escreve Amedeo Montemaggi, “o julgamento dos comandantes alemães a respeito da conduta aliada na primeira batalha de Coriano, foi de espanto com as táticas utilizadas. Ao invés de rumar diretamente para Rimini, com todo o peso de suas forças, Alexander e Leese, o comandante do 8º Exército britânico, dispersaram seus recursos nas colinas de Coriano, enfraquecendo a força do ataque.” Neste ponto, não seria inoportuno anotar que o julgamento dos comandantes alemães, no Adriático, contrasta com aquele de von Senger, que naquele momento estava na frente do Tirreno, e que atribuiu o fracasso do ataque aliado, não tanto à erros táticos de Leese, como ao fato de que suas viaturas blindadas tinham deixado de ser adequadas às condições táticas da campanha, que haviam se modificado.
É difícil fazer um julgamento da efetividade dos tanques na batalha por Rimini. O terreno ao longo da costa e, por alguma extensão terra adentro, se prestava à utilização, com grande eficácia, dos nossos poucos tanques. Nossa divisão estava com menos da metade da força e à 5 Km de Rimini, e a estrada de Montestudo-Rimini tinha o caminho barrado, somente pela minha companhia e quatro tanques sob o tenente Hecht. Um batalhão de tanques inimigo, podia ter irrompido através com facilidade. Nós ficávamos nos perguntando por quê não faziam isso.
No verão de 1945, o coronel Horst Pretzell, chefe da seção de operações do 10º Exército, escreveu o seguinte comentário para a o comando supremo aliado:
Até o dia de hoje, não está de todo claro, do ponto de vista alemão, o por quê dos aliados não terem, de imediato, explorado o sucesso de sua ruptura da Linha Gótica, e rumado, diretamente para Rimini, sem se preocupar com seus flancos. Neste ponto, os alemães já não tinham mais reservas capazes de oferecer resistência digna do nome para tão inesperada ruptura... Durante o curso posterior da batalha [isto é, a primeira batalha de Coriano], o poder emassado da ofensiva podia, talvez, ter sido mais eficazmente empregado se houvesse maior concentração de forças nas alas internas do corpo-de-exército atacante e se estas forças tivessem sido utilizadas num ataque concentrado contra o setor costeiro (o setor canadense), que era mais adequado para a operação de tanques. A obstinação com a qual as tropas do V Corpo britânico foram arremessadas em ataques contra as alturas de Gemmano e Coriano, levou consideráveis forças a se desviaram do ataque principal. O resultado foi que o curso da ofensiva foi, consideravelmente, desviado.”
A ruptura da Linha Amarela, em Rimini, e o fracasso dos aliados em explorar o sucesso lá, foram o momento culminante da batalha por Rimini, na qual a 29ª Panzergrenadier se encontrou diante do I Corpo canadense, que havia se tornado a ponta de lança da própria ofensiva. O ataque aliado foi precedido por um “monstruoso” bombardeio aéreo, naval e terrestre. Como os cronistas da 29ª Divisão escreveram: “O inimigo empregou homens e máquinas numa medida desconhecida, até então, na Itália. Enquanto os bombardeiros atacavam embasamentos de artilharia, os caças-bombardeiros estavam, de forma permanente no ar, para atacar qualquer alvo disponível, fosse um único caminhão ou, até mesmo, um soldado individual.”
Eu relembro esses bombardeios como um pesadelo. Minha companhia estava posicionada num campo, próximo ao rio Ausa, sob a chuva do fogo de barragem, na noite entre 16 e 17 de setembro. Foram três horas de canhoneio que pensávamos que nunca iria acabar. A artilharia inimiga, com freqüência, bloqueava nosso ressuprimento noturno. E eu nunca esquecerei como os caças-bombardeiros, quase como rotina, atacavam nossos mensageiros motociclistas, como se soubessem que todo nosso sistema de comunicações dependia deles.
De volta aos diaristas da 29ª Divisão: “A artilharia inimiga é enormemente superior à nossa. A munição disponível para eles é muitas vezes mais que a nossa. O fogo de artilharia naval também foi utilizado na luta em terra, com grande efeito.”
Sem dúvida, a artilharia inimiga tinha à sua disposição tudo o que queria, e quando queria. Depois ter sido feito prisioneiro, eu dei uma olhada em seus equipamentos, quando passei por suas baterias. Eles traziam caminhões direto até os embasamentos dos canhões, os caminhões estacionavam diretamente ao lado de cada peça de artilharia, e as granadas eram movimentadas, diretamente, da viatura para o canhão.
O diarista continua: “Um furioso, devastador, fogo foi desfechado de nossas posições defensivas. Nossos morteiros – que, durante a noite entre 19 e 20 de setembro, foram, com grande dificuldade, ressupridos com um estoque de 1000 projéteis – lançaram uma tal barragem em frente de nossas posições, que o inimigo ficou cego e surdo.”
Os morteiros, tanto os de 80 mm, quanto os de 120 mm, foram nossa salvação. Durante o dia, nossa artilharia de campanha não podia intervir, com fogo de contra-bateria e de barragem, para não se expor aos caças-bombardeiros inimigos, sempre pairando no ar. Os canadenses, nossos adversários diretos na batalha de Rimini, falam que sofreram muito com o fogo da nossa artilharia. Eu digo que eles sofreram muito foi com nossos morteiros e canhões de infantaria. Os morteiros e canhões de infantaria tornaram-se nossa verdadeira artilharia, sob o lema “Hilf dir selbst, dan hilft dir Gott” [“Deus ajuda aquele que se ajuda”]. Por isso, com base na minha experiência, eu ensinei na Escola de Guerra Canadense, de que a infantaria, se deseja exercer seu direito à auto-defesa, precisa ter morteiros, canhões de infantaria e armas anti-tanque de todo tipo. A Campanha da Itália nos ensinou isto.
Usando um sistema desenvolvido na Grande Guerra (em verdade, na Frente Italiana daquela época), os ingleses começaram, na noite de 18 de setembro, a iluminar o campo de batalha com poderosos holofotes. “Pela primeira vez, próximo às 22:00 h, os holofotes do inimigo, incendiaram todo o céu, mirando, seja para as linhas de frente ou para as nuvens,” dizem nossos diaristas da 29ª Divisão, “estes holofotes tentaram impedir nossa observação do inimigo, mas, ao mesmo tempo, ajudaram nossos motoristas a se orientarem mais rapidamente, e eles não foram mais impedidos pelas crateras de granadas.”
Eu relembro, também, que essa iluminação não obstruiu nossa observação. De fato, ela nos permitiu ver o inimigo melhor, e também ficou demonstrado que, estando em uso os holofotes, o inimigo nunca conseguiu atacar, nem a nós, nem aos nossos movimentos noturnos.
Pesadelo era a presença do nevoeiro. E aqui, subscrevo, de todo coração, as palavras de Walter Nardini, que, embora estivesse em Cassino, descreve o modo como o campo de batalha de Rimini aparecia, debaixo de incessante bombardeio aéreo e do canhoneio de mar e de terra:
”Nevoeiro na frente de nossos postos avançados, nevoeiro na frente do inimigo, nevoeiro na frente dos hotéis, nevoeiro durante a evacuação de feridos, nevoeiro durante a entrega de munição. Nevoeiro, nevoeiro, nevoeiro... Não havia mais dia; só havia dois tipos de noite: uma amarelada e cheia de nuvens, que não lhe permitia ver, e outra cheia de relâmpagos, do brilho de luzes, de rajadas de metralhadoras, de barulhos assustadores. Era essa a atmosfera de nosso ataque contra Ausa, em 17 de setembro e, mais tarde, da travessia do Uso, próximo a Santarcangelo.
Na segunda batalha de Coriano, na qual a 29ª Panzergrenadier destruiu 46 tanques inimigos, nossas fortalezas foram as casas nas quais nossa defesa móvel era baseada. Nós utilizávamos as casas e suas ruínas, para defender-nos, tanto quanto possível, pois elas nos abrigavam do fogo de todo tipo de arma. O erro aliado foi direcionar a carga decisiva da 1ª Divisão Blindada britânica contra a serra de Coriano, ao invés de contra a planície, em torno de Miramare, o aeródromo de Rimini. Isso foi bem compreendido pelos diaristas da 29ª Divisão Panzergrenadier, quando escreveram que:
Citação:
”O maior perigo estava ao longo da costa, onde o terreno oferecia menos chances ao defensor. O inimigo poderia ter empregado seus tanques, en masse, e apoiado o avanço deles com ataques aéreos e com fogo de artilharia terrestre e naval. Um ataque de ruptura poderia ter envolvido o flanco da última posição defensiva, em Coriano, e dos montes Covignano, ter permitido ao inimigo atacar nossas defesas pelo flanco, desta forma evitando se auto-destruir nos usuais ataques frontais.”
Este comentário era, evidentemente, inspirado pelo general Polack, que estava no comando da divisão, desde 1º de setembro, ou pelo general Herr, que comandava o LXXVI Corpo Panzer, mas isto nada mais era do que todos nós estávamos dizendo, ao longo da linha de frente. De fato, os usais ataques frontais, em Cassino e em outros lugares, nos davam a chance de nos defendermos, o melhor possível, e não deixar o inimigo avançar, a não ser, muito lentamente.
Em 19 de setembro, ao longo de toda a frente, de Rimini à San Marino, o ataque aliado foi desfechado, debaixo de um terrível bombardeio terrestre, aéreo e naval. O ponto central da luta foi o agradável monte de Covignano, atacado por duas brigadas canadenses, e defendido por dois regimentos da 29ª Divisão, que teve de colocar os turcomanos da 162ª Divisão de Infantaria, no centro de seu desdobramento, em San Fortunato. Aterrorizados pelo bombardeio, os turcomanos se renderam, permitindo aos canadenses, irromper através da última defesa alemã, antes da planície do Pó.
Na manhã de 20 de setembro, a 29ª Divisão ainda estava lutando, em dois grupamentos isolados, em Villa Battaglia (o nome “Battaglia” é um erro da parte do cartógrafo italiano, ela, em verdade, era a Villa Battaglini/Bianchini) e, em San Lorenzo a Monte. “Todo o setor em volta, estava aberto a ataque inimigo. A divisão estava no fim de suas forças”, escreveram nossos diaristas.
E, eis aqui a novidade, que, na verdade, não era mais novidade. Os aliados, vitoriosos, não exploraram o sucesso. Por razões inconcebíveis, o inimigo parou e não explorou sua oportunidade, com todo o vigor. Talvez, a inesperada e obstinada resistência daqueles dois pequenos e isolados centros, o tivessem impressionado. E foi, inteiramente, mérito daqueles dois pequenos grupos de combatentes, de que o dia não terminasse em catástrofe. A divisão não tinha mais nada para se opor a um ataque de ruptura lançado pelo inimigo, com todas as suas forças. A batalha de Covignano, conhecida nos registros aliados como batalha de San Fortunato, é um exemplo clássico do fracasso em explorar o sucesso. Como em muitas outras ocasiões, durante a Campanha da Itália, o inimigo nos deu tempo para reagrupar, assumir novas posições defensivas e nos preparar para enfrentar um novo ataque. Um oficial alemão, mesmo ao nível de comandante de companhia, sabendo que a tarefa do regimento era alcançar Marecchia, nunca se deteria pela resistência isolada em San Lorenzo a Monte, mas continuaria na travessia do rio, para ficar na frente de um inimigo em retirada! Nós retraímos em boa ordem, sem ser perturbados, assumindo posições defensivas intermediárias, mudando de um ponto-forte para outro, por lanços, um método comprovado em nossos treinamentos, e que nos dava um senso de segurança e calma, enquanto o inimigo permanecia, suficientemente longe, às nossas costas.
Para a divisão, essa pausa em 20 e 21 de setembro, foi um presente inesperado. Ela nos deu a chance para reorganizar todas as unidades, e para redesdobrá-las, assumindo nossa nova missão, ao norte de Marecchia.
Os generais aliados jogaram a culpa por este fracasso em explorarem seu sucesso, nas chuvas que causaram fortes inundações... mas somente, alguns dias depois! Esta justificativa não é convincente, escreveram os diaristas da 29ª Panzergrenadier. Haviam somente uns poucos postos avançados restando na margem sul do Marecchia. Em nosso setor, com suas margens baixas, ele era puro barro, quase vazio de água, certamente, não sendo obstáculo. (Isso é comprovado pelo fato de que, devido ao leito ser considerado impraticável como obstáculo, a destruição da famosa ponte romana de Tibério, foi considerada militarmente desnecessária pelos sapadores alemães, que a deixaram intacta.) Pessoalmente, eu não me lembro de nenhuma chuva, em 20 e 21 de setembro. Eu relembro de que, durante a retirada para o Uso, próximo à San Vito, o interior estava juncado de fardos de feno, incendiados pela artilharia inimiga, algo que não poderia ter acontecido, se eles estivessem empapados de chuva.
A luta por Rimini, foi a maior batalha de meios na Itália. O inimigo, grandemente superior em todos os campos, apreciava total domínio do ar. Ele podia revezar suas tropas, com freqüência, e atacar, novamente, com forças descansadas, após uns poucos dias. Muito do seu sucesso pode ficar na conta da artilharia, a qual ele podia recorrer, com um número enorme de peças, de todos os calibres, e imensas quantidades de munição. Com freqüência, sua artilharia destruía nossas posições defensivas, mesmo antes de sua infantaria atacar, o que destruía o moral de nossas tropas. Se, mesmo apesar disso, o sucesso lhe escapava, era devido à sistemática rigidez de seus ataques, que tentavam evitar todos os riscos, e devido à resolução de nossa infantaria e das armas que a apoiavam. Todas as nossas unidades combatentes deram provas de força sobre-humana.
Esta é a história da batalha de Rimini, como foi vista pela 29ª Divisão Panzergrenadier, que foi uma das participantes dela. Por minha parte, gostaria de acrescentar três coisas:
1) Os aliados revezavam suas tropas, com freqüência, enquanto mantínhamos, sempre, os mesmos homens na linha, o que nos cansava profundamente;
2) Desde o começo da segunda batalha de Coriano, em 13 de setembro, nós lutamos, continuamente, dia e noite, nos movimentando de uma crise para outra, com nossas companhias, quase sempre, isoladas. Nosso moral sofreu terrivelmente por isto. Tanto que a Feldgendarmerie, ou polícia militar, teve de intervir, para apreender extraviados individuais;
3) O apoio foi dado à infantaria, por nossos morteiros de companhia (80 mm) e de batalhão (120 mm) e pelos canhões do regimento de infantaria. No meu setor da linha de frente, nossa artilharia de campanha nunca foi vista de dia, e nunca ouvida à noite.
Mas a ofensiva da Linha Gótica não parou com o fim da batalha de Rimini, e o alto imposto às tropas aliadas, no rio Rubicão, em 20 de setembro. O novo comandante do 8º Exército britânico, transferiu a luta para os montes ao sul de Cesena e, portanto, meu regimento foi enviado para Montecodruzzo e Monteleone, para enfrentar os gurkhas nepaleses, que eram ferozes combatentes noturnos. Depois, fomos transferidos para Bologna, para nos opor aos americanos. Nossa baixas eram pesadas. No Rubicão, minha companhia foi reduzida à 30 homens. Em três dias, ela foi elevada de volta à 120 homens, mais da metade dos quais, nós perdemos em doze dias de luta contra os gurkhas. Pelo tempo em que chegamos à nossa nova frente, próximo à Bologna, mal restava 50 de nós.
A 29ª Divisão Panzergrenadier tinha sido encarregada da missão de entrar em linha, entre a 65ª Divisão, à direita e a 362ª Divisão à esquerda, entre a Rodovia Nacional Nº 65, de Florença à Bologna e o vale do rio Zena. Nosso 15º Regimento estava lutando ao sul de Cesena, enquanto o 71º estava defendendo o setor sul de Zula e Castel de Zena. O II Batalhão do 15º Regimento tinha chegado no setor de Gorgognano, em 20 de outubro, o I/15º assumiu posição no dia seguinte, no setor de Casa Casetta, no centro do vale, e o III/15º, por sua vez, chegou ao setor de Poggio. A unidade de reconhecimento assumiu uma posição nas montanhas à nossa esquerda.
O rio estava em regime de cheia, devido as constantes chuvas. O vale era estreito demais para um batalhão ser desdobrado, apropriadamente,e as posições dominantes com visão sobre ele, estavam em mãos dos americanos da 34ª Divisão de Infantaria. No fundo do vale, havia uma estrada, com umas poucas trilhas de mulas e alguns grupos espalhados de casas. Aqui e ali, uma casa isolada seria vista; o solo, verde e lamacento, cobria uma base rochosa, na qual era virtualmente impossível escavar um embasamento defensivo.
A luta começou, de imediato, o 71º Regimento contra a 91ª Divisão americana; o 15º contra a 34ª Divisão. A forma de lutar dos americanos tinha muita diferença da nossa. Eles nos deram a impressão de ainda não serem amadurecidos em batalha. Uma pequena chuva; um rio, um pouco acima do nível, e a luta era interrompida! Sorte deles! Parecia não desejarem mais lutar. Eles se faziam prisioneiros com grande facilidade. Esta é a única forma de explicar as muitas vezes que 100, 80, 70 ou 50 prisioneiros eram capturados, de uma vez. Eles desistiam de suas posições, muito rapidamente, para se retirarem, enquanto o nosso alto-comando nunca parecia ter qualquer compreensão conosco. Se necessário, nós cruzávamos o rio Zena, na enchente, duas ou três vezes... e molhados até a alma, dos pés à cabeça, não tínhamos maneira alguma de secar rapidamente. Nós tínhamos de lutar debaixo de chuvas torrenciais, em terreno escorregadio, no frio da noite. Eu acredito que sobrevivemos apenas porque fomos capazes de acender fogo, na lareira de uma casa ou outra, para nos secar por turnos, GC após GC, sorvendo alguma bebida forte, como vodka...
Como já disse, meu batalhão defendeu o vale do Zena, mudando, freqüentemente, de posições e arranjos defensivos; de três companhias em linha, para as três escalonadas em profundidade. Entre 20 e 31 de outubro, o diário de nossa companhia descreve uma sucessão de combates, entre eles o ataque americano do dia 24, que nos forçou a abandonar Poggio; uma retirada para os segundo e terceiro escalões, quando o III/15º nos substituiu na linha de frente no dia 25; o contra-ataque da minha companhia, junto com a 9ª Companhia do III/15º, para retomar Poggio; a captura de cinqüenta prisioneiros no dia 26; a entrada em posição em Casa Casetta, pelo meu comando e os ataques americanos nas noites de 28, 29 e 30 de outubro, todos rechaçados, com sucesso; os substitutos que só me criavam problemas – uns trinta ou mais de 17 anos de idade, que recebi, e que não tinham nem experiência, nem estômago para lutar. Então, a 31 de outubro, eu caí doente, e fui transportado para o Hospital de Campanha 29, em Montagnana. Durante minha ausência, os americanos, por fim, tomaram Casa Casetta, mas foram postos para fora, de novo, uns poucos dias depois.
E foi assim, que o avanço de Clark chegou ao fim, no final de outubro, 15 Km de Bologna.
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Gerhard Muhm, comandante da 1ª Companhia, I Batalhão, 15º Regimento Panzergrenadier, 29ª Divisão Panzergrenadier.
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